A história da Igreja Católica no Peru está profundamente marcada por dois períodos de extrema violência institucional: a chegada dos conquistadores espanhóis no século XVI e a subsequente implementação da Inquisição. Ambos os momentos estiveram ligados à expansão do império colonial espanhol e ao reforço da hegemonia religiosa católica sobre as populações indígenas, com consequências devastadoras para milhões de pessoas. O impacto desses crimes históricos prolonga-se até hoje, visível nas desigualdades sociais, na perda de culturas ancestrais e no trauma coletivo que perdura em muitas comunidades andinas e amazónicas. A chegada de Francisco Pizarro em 1532 marcou o início da destruição sistemática do Império Inca. Apoiado pela coroa espanhola e legitimado espiritualmente pela Igreja, Pizarro capturou e executou Atahualpa, o último imperador inca, apesar deste ter oferecido uma quantidade gigantesca de ouro em troca da sua libertação. Esta traição marca simbolicamente o início de uma campanha brutal de colonização e evangelização forçada, onde igrejas foram erguidas sobre antigos templos indígenas e a religião católica imposta como única fé legítima. Milhares de sacerdotes indígenas foram mortos ou forçados ao silêncio**, e a cultura espiritual andina foi criminalizada e perseguida como “idolatria”. A Inquisição foi oficialmente instalada em Lima em 1570, como braço do Tribunal do Santo Ofício, e operou até 1820(!). Embora se tenha focado, inicialmente, em perseguir conversos e supostos hereges de origem judaica e muçulmana entre os colonos espanhóis, a sua influência estendeu-se rapidamente a todos os que questionassem a ortodoxia católica. Foram milhares os indígenas, africanos escravizados e mestiços perseguidos por “superstições”, “bruxaria” ou práticas religiosas ancestrais, muitas vezes com base em denúncias sem provas. As penas incluíam confisco de bens, açoites públicos, prisão perpétua e execuções na fogueira — os infames "autos-da-fé". A Igreja não foi apenas cúmplice — foi um agente ativo da repressão colonial, promovendo uma “limpeza espiritual” que visava apagar a cosmovisão indígena e substituir os sistemas de organização social e religiosa dos povos originários por um modelo europeu. As ordens religiosas, como os jesuítas, franciscanos e dominicanos, fundaram missões e escolas onde a língua quéchua foi proibida, as crianças separadas das famílias, e as práticas culturais locais consideradas demoníacas. Este processo, hoje entendido como "etnocídio cultural", levou à perda de saberes milenares, à desintegração social de povos inteiros e à criação de uma elite criolla católica que perpetuou a desigualdade até ao presente. Importa também lembrar que a escravatura foi abençoada pela Igreja, que considerava justo escravizar africanos e indígenas sob o argumento de os “converter e civilizar”. As igrejas católicas coloniais do Peru foram erguidas com mão-de-obra escravizada, e muitos bispos e padres eram proprietários de escravos. Ao mesmo tempo, a riqueza do clero crescia exponencialmente, graças ao saque sistemático de ouro, prata e recursos naturais, transportados para a Europa em nome de Deus e da coroa espanhola. Hoje, vários historiadores e movimentos indígenas exigem reconhecimento oficial destes crimes históricos, incluindo um pedido formal de perdão da Igreja Católica. Embora o Papa Francisco tenha abordado parcialmente este tema durante a sua visita ao Peru em 2018, muitos consideram que as suas palavras foram insuficientes face à dimensão do trauma causado. O perdão verdadeiro exige, como muitos defensores dos direitos humanos afirmam, reparação concreta, restituição de territórios, preservação das línguas indígenas e respeito pleno pela espiritualidade ancestral. Os crimes cometidos pela Igreja Católica durante a conquista espanhola e a Inquisição no Peru representam uma das maiores operações de destruição cultural e espiritual da história. Estes episódios não podem ser esquecidos nem relativizados como “fruto do tempo”. São parte de uma estrutura de poder que continua a ter efeitos até hoje. O reconhecimento da verdade histórica é o primeiro passo para que a justiça, mesmo que tardia, possa finalmente começar a ser feita. |
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