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Poucos nomes da expansão portuguesa no Oriente permanecem tão envoltos em silêncio como o de Pedro Tavares. Capitão, mercador e diplomata, foi ele quem, por volta de 1579, negociou com o poderoso imperador Akbar, o Grande, o direito de estabelecer uma colónia portuguesa nas margens do rio Hooghly, no atual Bangladesh. Sabe mais no Blog dos Portugueses em Viagem. Foi o primeiro europeu a fazê-lo, e com esse gesto abriu caminho à presença lusa num dos territórios mais férteis e ricos da Ásia. Na segunda metade do século XVI, o império português já se estendia do Atlântico ao Pacífico, mas faltava-lhe consolidar a sua influência no Golfo de Bengala, uma região crucial nas rotas das especiarias. Ali convergiam comerciantes árabes, chineses e indianos, e a cidade de Chittagong, que os portugueses chamavam “Porto Grande de Bengala”, era o ponto de entrada para o interior continental. Pedro Tavares chegou nesse contexto de rivalidade e oportunidade, com uma pequena frota e o instinto de quem compreendia que o poder português dependia tanto da diplomacia como da pólvora. Os registos da época são escassos, mas consistentes: Tavares conseguiu de Akbar um firman, uma autorização imperial que concedia aos portugueses o direito de comércio livre e de fundar um entreposto fortificado em Hooghly. Esse acordo, sem precedentes, transformou a vila num dos portos mais cosmopolitas do Oriente. Ali surgiram igrejas, armazéns e ruas onde se ouviam línguas de três continentes. Portugueses, bengalis, arménios, judeus e persas partilhavam negócios e rotas fluviais que ligavam o delta do Ganges a Goa e a Malaca. O sucesso da colónia foi tão rápido quanto o seu declínio. O tráfico de escravos e as incursões de corsários luso-asiáticos (os chamados firingis) geraram tensões com o império Mughal. Em 1632, o imperador Shah Jahan, o mesmo que mandaria erguer o Taj Mahal, sitiou e destruiu o forte de Hooghly, aprisionando centenas de portugueses. A colónia foi extinta, mas o seu legado persistiu em nomes como Firingi Bazar ou Porto de Bandel, e nas ruínas da Basílica do Rosário, onde ainda se reza em português. A figura de Pedro Tavares desaparece das fontes logo após a sua missão. Nada se sabe sobre a sua origem, carreira ou morte. Alguns historiadores especulam que seria natural de Goa; outros sugerem que fora enviado por Lisboa como emissário comercial. O certo é que a sua ação antecipou, em mais de um século, as dinâmicas de diplomacia e comércio que os europeus usariam no Oriente. Tavares não conquistou Bengala: convenceu-a. E essa foi talvez a sua maior vitória. Culturalmente, a presença portuguesa em Bengala deixou marcas duradouras. Palavras como almari (armário), pão, sabun (sabão) ou balti (balde) entraram na língua bengali. As primeiras igrejas católicas ergueram-se em Bandel e Dhaka, e as comunidades mestiças firingi mantiveram tradições luso-asiáticas até ao século XIX. As rotas abertas por Tavares integraram o comércio do Golfo de Bengala no sistema atlântico português, ligando Lisboa a Malaca por um fio invisível de especiarias, sedas e fé. Hoje, ao visitar Bandel, a poucos quilómetros de Calcutá, o viajante encontra ainda o eco dessa história esquecida. A basílica construída pelos sobreviventes da colónia portuguesa ergue-se serena, cercada por mangais e arrozais. É um dos testemunhos mais antigos do cristianismo na Índia oriental, e o único vestígio físico da ousadia de Pedro Tavares. Poucos recordam o seu nome, mas foi ele quem, sem exércitos nem mapas, abriu a porta do Bangladesh ao mundo português. No tempo em que o império navegava por mares desconhecidos, Pedro Tavares foi o arquétipo do explorador luso: silencioso, engenhoso e indomável. A sua história, redescoberta séculos depois, recorda-nos que nem todos os conquistadores empunhavam espadas: alguns traziam apenas um mapa, uma carta imperial e a certeza de que o destino de Portugal se escrevia, também, nas águas do Ganges. |
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