"É nestas salas de luxo importado, que imitam as dos primos franceses e alemães, que encontramos o único negro representado com dignidade. Um só negro. Fiquei curioso em saber quem era." O Palácio Nacional da Ajuda é um dos mais belos de Portugal. Ainda hoje é uma das principais salas de visita do Estado Português, onde se organizam banquetes e receções para receber e homenagear as mais altas individualidades mundiais. A sua opulência é proporcional à real dimensão do nosso país, mas as suas salas, decoradas com os restos das riquezas do império e a arte importada da Europa, cumprem a sua missão anfitriã dignamente. Na sucessão de divisões viradas para o Tejo, adornadas com pinturas, esculturas, tapeçarias, mármores cerâmicas e madeiras, armas joias e detalhes, Portugal surge branco, esbelto e elegante, desenhado com as cores genealógicas das monarquias europeias. Parece que do alto da Ajuda os reis não vislumbravam o Portugal mulato e Atlântico que os sustentava. Só as varandas se debruçam para o Sul, para o Tejo e o Atlântico. Atrás das cortinas de seda vivia-se de costas para o mar, numa espécie de ilusão de Europa, importando-se para dentro das muitas paredes as modas do continente. É nestas salas de luxo importado, que imitam as dos primos franceses e alemães, que encontramos o único negro representado com dignidade. Um só negro. Fiquei curioso em saber quem era. Chama-se José. Quem era o Negro José, o único que conseguiu chegar às paredes do Palácio dos Reis de Portugal. Um Portugal ainda Império, que se estendia a África e à Ásia,. O Palácio da cidade construída e sustentada por homens e mulheres vindos de todo o Mundo. A casa de uma família que reinava de ambos os lados do Atlântico. A História é conturbada e o percurso obrigatoriamente inclui Paris. Obrigatoriamente porque podemos imaginar que se José viesse de Angola ou do Brasil não entrava no Palácio. José é filho de escravos. Sabemos isso pela sua cor, corpo e origem. Não tem registo de nascimento mas acredita-se que veio a este mundo, negro e nu, no Haiti, então colónia Francesa. A vida atirou-o para as ruas de Paris onde se diz era acrobata. O seu corpo possante e perfeito, os olhos claros e translúcidos cativaram Théodore Géricault, um mestre da pintura francesa, que fez dele seu modelo. Negro e nu em alguns dos quadros mais famosos da época, José ainda hoje marca presença em várias obras primas no Louvre. Tornou-se célebre em Paris. E se pode estar no Louvre, podia estar, e orgulha, as paredes do Palácio da Ajuda. Em Portugal José está vestido. O quadro foi comprado por um Nobre português em Paris que o ofereceu ao nosso Rei. Tantos e tantos Negros que construíram este país, tantos e tantos portugueses que ao longo dos séculos se dissolveram em tantas cores, e só um negro no palácio que ainda hoje recebe as mais altas individualidades internacionais. Está vestido. É uma curiosidade de colecionador. Mas mesmo sem ser português, apenas negro e de outros continentes como tantos de nós, o José explica com o seu olhar translúcido, sem o saber, porque foram os monarcas abatidos, como se dissipa um Império dissolvendo a universalidade de um povo no branco vazio de uma genealogia. Quando visitarem o Palácio da Ajuda procurem pelo pequeno quadro do Negro José. E que a seda e o ouro das paredes não vos impeça de chegar à janela e olhar de frente todo o futuro incrível que vos aguarda a Sul. João Oliveira |
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