Não foi Marco Polo, mas os exploradores portugueses os primeiros europeus a documentar a existência da Grande Muralha da China, apesar de não a terem visto diretamente nas primeiras décadas de contacto com o Império Chinês. Este artigo explora os relatos e a curiosidade dos portugueses em relação à China Ming e como algumas figuras históricas, como João de Barros, Gaspar da Cruz e Bento de Góis, trouxeram informações valiosas sobre a Grande Muralha para a Europa, alimentando o fascínio pelo mundo asiático. Sabe mais no Blog dos Portuguesees em Viagem Marco Polo, o famoso explorador veneziano que viajou pela Ásia no século XIII, não menciona a Grande Muralha da China nos seus relatos. Essa ausência intrigante é um dos pontos que gera dúvidas e debates entre historiadores, pois, ao percorrer a China durante a dinastia Yuan, ele descreve muitos aspectos da cultura e da geografia chinesas, mas não faz referência à muralha. A explicação mais aceita para essa omissão é que, na época em que Marco Polo viajou pela China (1271-1295), a Grande Muralha não existia com a forma e o propósito que conhecemos hoje. A construção da muralha que associamos à "Grande Muralha" atual foi concluída principalmente durante a dinastia Ming (1368–1644), mais de um século após a viagem de Marco Polo. As estruturas defensivas presentes durante a dinastia Yuan (liderada pelos Mongóis) eram fragmentadas e menos monumentais, sendo essencialmente paredes e fortificações locais. Assim, é provável que as barreiras existentes na época de Marco Polo não fossem significativas o suficiente para ele mencionar nos seus relatos. Outra teoria sugere que, sob o domínio mongol, a função defensiva da muralha teria sido desvalorizada, já que os próprios mongóis a controlavam, o que poderia ter reduzido a sua importância estratégica e, consequentemente, o seu destaque para um viajante como Marco Polo. A "Grande Muralha" como uma estrutura contínua e imponente só viria a surgir e impressionar o mundo ocidental nas eras posteriores, especialmente a partir do contacto com exploradores e missionários portugueses no século XVI. João de Barros e as Primeiras DescriçõesJoão de Barros, conhecido como um dos primeiros historiadores portugueses e autor da obra Décadas da Ásia, descreveu a Grande Muralha da China em 1563. Barros, que nunca visitou a China, baseou-se em relatos e informações que os navegadores e comerciantes recolhiam. Décadas da Ásia é uma obra histórica que documenta a expansão portuguesa e inclui descrições detalhadas sobre o Extremo Oriente. Barros descreveu a muralha como uma grande estrutura defensiva destinada a proteger o império dos ataques dos “Tártaros”, termo usado para se referir aos Mongóis e outras tribos nómadas. Os seus relatos reforçaram na Europa a ideia da Muralha como um símbolo do poderio e da engenharia chinesa. A obra de João de Barros foi amplamente lida e distribuída entre a elite europeia, sendo um dos primeiros relatos documentados sobre a muralha fora da Ásia. Através do seu trabalho, Barros contribuiu para a criação de um fascínio europeu pela civilização chinesa, que parecia ser tão avançada e misteriosa. Gaspar da Cruz: Missionário e Autor do Primeiro Tratado da ChinaGaspar da Cruz, um missionário dominicano português, foi um dos primeiros europeus a pisar solo chinês. Em 1556, chegou a Cantão e, durante a sua estadia, estudou os costumes, tradições e políticas locais. No seu Tratado das Coisas da China, publicado em 1569, Gaspar da Cruz mencionou a Grande Muralha, descrevendo-a com base em relatos locais. O missionário dominicano dedicou-se à investigação da cultura e da organização social da China, procurando compreender melhor as dinâmicas daquele território. Embora Gaspar da Cruz não tenha visto pessoalmente a muralha, o seu tratado é um dos primeiros documentos europeus a mencioná-la. Além de descrever a muralha, Cruz detalhou a complexidade da sociedade chinesa, a sua estrutura governamental, a sua economia e a sua espiritualidade. Através do seu tratado, ele revelou a vida e as tradições da China à Europa, promovendo um entendimento inicial entre os dois mundos. Bento de Góis e a Travessia da Grande MuralhaBento de Góis, um jesuíta português e explorador, foi um dos primeiros europeus a atravessar fisicamente a Grande Muralha da China. Góis nasceu em Portugal e, após ingressar na Companhia de Jesus, partiu para o Oriente como missionário. Em 1605, após uma longa viagem desde a Índia, atravessou o Passo de Jiayu, uma passagem localizada no extremo ocidental da muralha, próxima ao deserto de Gobi. A sua viagem foi financiada pela missão jesuíta e foi feita com o objetivo de investigar e confirmar relatos sobre a lendária região de Catay, uma civilização asiática descrita por Marco Polo. A jornada de Bento de Góis foi repleta de desafios e perigos. Ele disfarçou-se como um mercador arménio para poder atravessar territórios hostis e ligou a Índia a Pequim, percorrendo milhares de quilómetros numa rota árdua. Após atravessar a Grande Muralha, chegou ao território chinês e percebeu que Catay era, na verdade, a mesma região que os chineses chamavam de China. A sua viagem ajudou a unificar o conhecimento geográfico europeu e asiático e a Grande Muralha tornou-se um símbolo importante nesta conexão. A Grande Muralha na Cultura EuropeiaA descoberta da Grande Muralha da China pelos portugueses e as subsequentes descrições feitas por Barros, Cruz e Góis causaram grande fascínio na Europa. Esta enorme estrutura, construída para proteger o império de invasões, passou a simbolizar o poder e a organização militar da China. As descrições de Barros e Cruz influenciaram muitos estudiosos e intelectuais europeus, e a viagem de Bento de Góis solidificou a muralha como um marco geográfico e cultural, transformando-a num ícone do misticismo oriental. A muralha ajudou a moldar a visão europeia sobre a China como uma civilização antiga e complexa, com uma história própria e distintas tradições. A estrutura foi vista como um feito de engenharia impressionante e uma prova da capacidade organizacional dos chineses, que inspirou diversos relatos e estudos no continente europeu. A publicação dos relatos de Gaspar da Cruz e João de Barros, e as cartas enviadas por Bento de Góis, ajudaram a consolidar a imagem da Grande Muralha e da China na Europa. Estes documentos foram amplamente discutidos e distribuídos por meio da imprensa da época. Os missionários e exploradores portugueses desempenharam um papel fundamental na transmissão de informações sobre a China para a Europa, aproximando as duas culturas e criando uma ponte de conhecimento que fomentou o interesse europeu pelo Oriente. Hoje, a Grande Muralha da China é Património Mundial da UNESCO e atrai milhões de visitantes todos os anos. A sua história, simbolismo e importância cultural foram reconhecidos globalmente, tornando-se num ícone de resistência e um monumento à capacidade humana de construir estruturas monumentais. A muralha continua a ser um testemunho da grandeza da civilização chinesa e um símbolo de uma época em que os portugueses desempenharam um papel essencial na troca de conhecimento entre o Oriente e o Ocidente. |
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