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Poucos viajantes imaginam que, séculos antes dos resorts de luxo e das águas cristalinas que hoje atraem turistas de todo o mundo, as Maldivas foram palco de uma disputa feroz entre navegadores portugueses e a população local. A história dos primeiros portugueses nas Maldivas mistura ambição, confronto e resistência num cenário exótico do Oceano Índico, onde o império luso tentou afirmar-se longe da Europa. Descobre como esta aventura marcou para sempre a identidade das ilhas e continua a ecoar na memória colectiva maldiva. Sabe mais no Blog dos Portugueses em Viagem. Os primeiros registos de presença portuguesa nas Maldivas datam de finais da década de 1510, quando expedições vindas do Estado da Índia mostraram interesse estratégico nas ilhas do Oceano Índico. O impulso português esteve associado ao comércio de cowries, aljofares, ambargris e produtos tropicais, valorizados nas rotas de comércio marítimo. Em 1518, o rei português autorizou a instalação de uma feitoria em Malé, com missão de estabelecer trocas comerciais e apoio logístico para outras possessões no Índico. O ponto mais ambicioso da presença portuguesa nas Maldivas ocorreu em 1558, quando as forças do Império invadiram o arquipélago e tomaram Malé, impulsionadas pela tentativa de consolidar domínio, impor mais influência e favorecer conversões religiosas. Este domínio durou até 1573, quando uma revolta liderada por Mohamed Thakurufaanu e seus irmãos expulsou os portugueses e restaurou o controle local. A data da expulsão, 1573, é até hoje celebrada como National Day nas Maldivas. Apesar da ocupação portuguesa ter sido relativamente breve, deixou marcas simbólicas e culturais: o episódio influenciou a história política das Maldivas, reforçando o espírito de autonomia insular e a resistência local frente ao colonialismo. As disputas portuguesas naquela região refletem as ambições marítimas do século XVI e as fragilidades das intervenções europeias em territórios insulares distantes. os dois primeiros portugueses nas maldivasSabemos que não foram os primeiros, mas os são dois os primeiros portugueses com presença documentada nas Maldivas: o comandante André Furtado de Mendonça, e o Capitão Dom Manoel de Souza Coutinho Mendonça foi um dos mais destacados comandantes militares portugueses no Oriente, conhecido pela sua participação nas campanhas do Estado da Índia durante o século XVI. Teve um papel relevante na defesa de possessões portuguesas e em operações contra forças locais e outros europeus, nomeadamente em Ceilão (Sri Lanka), Malaca e Molucas. Ficou famoso pela sua coragem, estratégia e pela dureza das campanhas em que esteve envolvido, sendo frequentemente citado em crónicas da época. Por outro lado, o Capitão Souza Coutinho é mencionado em algumas fontes como envolvido em ações militares portuguesas nas Maldivas e em outras partes do Índico, tendo assumido posições de comando em expedições de reforço ou reconquista, embora a documentação sobre a sua atuação seja mais escassa. Ambos representam a geração de capitães e militares que consolidou a presença portuguesa no Oceano Índico, deixando marcas em várias regiões insulares e costeiras da Ásia. a relevÂncia estratÉgica e militar das maldivasA relevância estratégica das Maldivas para os portugueses no século XVI era dupla: militar e económica. Do ponto de vista militar, as Maldivas situavam-se numa posição chave nas rotas marítimas do Oceano Índico, entre a Índia, a costa oriental de África e o sudeste asiático. O controlo das ilhas permitia ao Império Português vigiar e, em parte, controlar o tráfego de navios árabes, indianos e rivais europeus, protegendo assim as rotas comerciais entre Goa, Ormuz, Malaca e Moçambique. As Maldivas funcionavam também como entreposto para apoio logístico e reabastecimento das esquadras portuguesas, numa região onde a navegação dependia fortemente de monções e ventos sazonais. No plano económico, as Maldivas eram famosas pela produção e exportação de *cowries* (búzios usados como moeda em toda a Ásia e África), ambargris (substância valiosa para perfumaria), coco, peixe seco e pérolas. O controlo destes recursos e do comércio local permitia aos portugueses influenciar mercados regionais e garantir matérias-primas e divisas essenciais para sustentar a administração e as forças militares no Oriente. Assim, dominar as Maldivas fortalecia a rede económica lusa e aumentava a autonomia financeira do Estado da Índia Portuguesa. REPRESSÃO RELIGIOSAS: O ERRO MORTAL DOS PORTUGUESESA feroz perseguição religiosa promovida pelos portugueses nas Maldivas, entre 1558 e 1573, esteve na origem direta da sua expulsão do arquipélago. Após a conquista de Malé, os administradores portugueses, alinhados com a chegada da Inquisição a Goa, procuraram impor o cristianismo à força, destruindo mesquitas, proibindo práticas islâmicas e reprimindo severamente qualquer resistência local. Esta tentativa de apagamento religioso e cultural criou um clima de profunda hostilidade entre a população maldiva e os ocupantes. A repressão intensificou-se com execuções públicas, deportações e punições exemplares a quem desobedecia à nova ordem. O desrespeito pelos costumes islâmicos, pilar da identidade maldiva, uniu as comunidades numa resistência determinada. Mohamed Thakurufaanu, figura carismática e estratega hábil, liderou então uma revolta popular que mobilizou as ilhas em torno da defesa da fé islâmica e da soberania local. Em 1573, este movimento culminou com o assalto final a Malé, a execução e a fuga dos portugueses. A memória desta resistência religiosa ficou gravada nas crónicas e lendas maldivas, celebrando a vitória sobre a opressão estrangeira e reforçando o papel do Islão como elemento central da identidade nacional. A breve mas violenta ocupação portuguesa tornou-se símbolo de uma ameaça externa rejeitada por toda a sociedade das Maldivas, servindo de lição sobre o fracasso do colonialismo assente na intolerância e na repressão religiosa. depois dos portuguesesAntes da chegada dos portugueses, as Maldivas eram governadas por dinastias locais sob sultanato islâmico desde o século XII. Após a expulsão dos portugueses em 1573, as ilhas voltaram ao controlo dos sultões maldivos. No século XIX, as Maldivas tornaram-se um protetorado britânico (1887), mantendo administração interna própria mas subordinadas à coroa britânica em matérias de defesa e relações externas. Esta situação manteve-se até 1965, quando as Maldivas conquistaram a independência. Além dos portugueses, só o Reino Unido exerceu domínio formal sobre as Maldivas, mas nunca com colonização direta ou povoamento expressivo, mantendo-se sempre estruturas locais de poder. |
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